"ENTRE NÓS E AS PALAVRAS,
O NOSSO DEVER DE FALAR"
Mário Cesariny, in:Pena Capital
O MEU EXEMPLO
Sou o mais velho de 6 irmãos.
Em 1972 estava a estudar em Coimbra, vivendo num quarto alugado. Em março desse ano recebi a visita de meu pai, informando-me que lhe era impossível continuar a manter a despesa que tinha comigo, e que teria que ir trabalhar, tendo-me até conseguido um emprego, como funcionário de Finanças. Fui assim trabalhar para Ansião.
Estava matriculado em Filosóficas, mas ao mesmo tempo fazendo as cadeiras do sétimo ano para entrar em Engenharia. Assim, todos os dias, depois das 16.30, passei a fazer os cerca de 40 Km de Ansião a Coimbra, de motorizada, a fim de frequentar as aulas no Liceu D. Duarte.
Esta dificuldade fez com que fosse apanhado nas malhas do serviço militar, que, em 1973 me levou para Mafra e daí para a guerra de Angola, donde vim em finais de 1975.
Não tendo terminado o curso de engenharia, entrei no mundo do trabalho e da vida .
Actualmente tenho 3 filhos com as idades, 23, 20 e 17. Um no último ano de arquitectura, outro no 2º de Engenharia e outro no 10º ano.
Há muito que defendo o não às propinas independentemente do seu valor, tendo já escrito várias vezes sobre esse assunto.
O dia 25 apanhou-me em viagem, tendo acompanhado a luta estudantil, através de notícias via TSF, e acompanhado um pouco o Forum da mesma rádio na parte da manhã.
O que me leva a escrever é o facto de as opiniões a este respeito serem muito divergentes e creio que na maior parte dos casos não se põe o dedo na ferida e não se aprofunda a verdadeira razão.
Vou voltar a expor o meu ponto de vista que me parece ser bastante coerente com a defesa do não às propinas.
1. Na maioria dos casos não são os estudantes que pagam as propinas, mas sim os seus pais, normalmente pagadores de impostos ( se o sistema fiscal fosse eficaz e justo) .
2. Não ponho em causa o amor que os pais têm aos filhos, e que portanto querem o melhor para eles, pondo sim em questão se o melhor será sempre o curso superior. Serão maus pais aqueles que conduzem os filhos para cursos médios ou simplesmente os canalizam para o mundo do trabalho?
3. Portanto, à luz do ponto 2 não levei a mal que o meu pai me fizesse interromper os estudos que levava em Coimbra.
4. E não pondo em causa o ponto 2, qualquer pai tem o direito de opinar se deve ou não fazer com que o seu filho inicie o mundo do trabalho ou continue os estudos. Isto é, um pai que decide que o seu filho continue a estudar, está a oferecê-lo à sociedade, para que ele possa vir a contribuir para a evolução da mesma, através dos conhecimentos que vai adquirir. Ou seja, os pais estão a contabilizar economicamente um investimento que vão fazer no filho, durante no mínimo 5 anos, enquanto aqueles pais que decidem que o seu filho entre no mundo do trabalho estão a contabilizar economicamente o que o seu filho vai ganhar mensalmente e o que deixam de gastar e de investir nesse filho. Ou seja, os pais que decidem ( não ponho aqui as razões da decisão) acabar os estudos do seu filho na escolaridade obrigatória são beneficiados em relação aos que têm que continuar anos a fio a investir simplesmente na formação dos filhos.
5. No meu caso, por exemplo, serão cerca de 10 anos. É evidente que não dou por mal empregue este investimento. Certamente que desejo uma vida melhor para os meus filhos.
6. Poderei sim por em questão se será o seu futuro dessa forma o melhor. No entanto eu estou consciente que o meu sacrifício económico só casualmente me será proveitoso. Sê-lo-à, sim, à sociedade em geral.
7. Portanto, quando se diz que os estudantes podem pagar porque até vão de carro para a Univ. ou passam a vida nas discotecas tudo isso são justificações sem fundamento. Com efeito todos têm o direito de se divertirem ou melhorarem as suas condições. Duvido, no entanto que a maioria ande de viatura ou passe a vida em discotecas. Não haveria parques que chegassem e as discotecas teriam que ser catedrais.
8. Por outro lado se os estudantes manifestam sinais de uma vida razoável, aos pais o devem. E se os pais têm uma vida acima do que seria razoável, e não pagam impostos, a ferida está aqui. Com efeito, não são os subsídios sociais que vão resolver o problema. Nunca foram justos e não é vocação dos serviços sociais andar a verificar se as condições económicas são coerentes com as indicadas.
9. É ao Estado que compete fazer evoluir o País em todas as vertentes, neste caso a vertente formativa. Os impostos que pagamos são para isso mesmo e não para pagar reformas de mais de mil contos a pessoas que não o merecem, não só pela idade, como pelo serviço prestado.
10. O Estado gasta milhões em formação mal cuidada, primária, simplesmente para encobrir muito desemprego. Quantos milhares de pessoas não estão a receber formação, sem nada pagarem, e ainda com uma remuneração próxima do vencimento mínimo, e que não estão minimamente a pensar em seguir aquela formação? Quantos milhões estão a ser entregues a escolas de formação feitas à pressa e que dão cursos sem interesse para a evolução do país, a não ser no adiar do combate ao desemprego? Eles são os cursos de formação militar, de formação administrativa, os cursos de informática e muitos outros. Há bastante tempo que trago em anúncios de jornais regionais (Leiria e Ansião) pedidos para 2 postos de trabalho (carpinteiro e soldador) e não aparece ninguém? Onde estão os desempregados ou os que saiem de cursos de formação?
11. Por outro lado fala-se das Universidades particulares. Os alunos que as frequentam pagam muito. E porquê? Precisamente porque essas escolas têm em vista o lucro. Seria importante sabermos os resultados económicos de muitas das Universidades particulares. Será correcto o lucro desenfreado à custa da formação. Não é a formação um investimento?
12. Não importa à sociedade ter doutores, médicos, engenheiros, professores, que se pagam demasiado caros, mas sim profissionais superiores que dêm à sociedade o seu saber, a fim de que ela possa evoluir correctamente. Será justo haver médicos que atendem diáriamente mais de 40 pessoas, levando a cada uma quantias entre 5 e 20 contos ou mais? E poderíamos citar muitos outros exemplos.
13. Resumindo, as propinas são uma imposição, um imposto aos pais dos formandos, que, muitas veres dispendem, em viagens, comida, vestuário, alojamento, livros, mais de cem contos, mensalmente. Não merecem esses pais que o Estado colabore um pouco mais e compreenda que, uma coisa é Educar ( competência dos pais ) e outra coisa é Formar (a Universidade não é Educação, mas um escalão de Formação - a Superior) e que essa formação é da responsabilidade da Sociedade representada pelo Estado, através dos nossos impostos?
14. Com tudo isto, creio que como Pai, tenho muito gosto em que os meus filhos venham a ser úteis ao nosso País, mas o País que os forme. Eu ajudo. Mas com propinas, nem que fossem 50 escudos, não. É uma injustiça!