"ENTRE NÓS E AS PALAVRAS,
O NOSSO DEVER DE FALAR"
Mário Cesariny, in:Pena Capital
O artº 60 do CIVA
A Tia Maria fez esta semana 85 anos. Desde pequena que para ajudar a família teve que ir servir. Deu o melhor da sua vida à Quinta da Rosa e à Quinta de Cima. De tudo isso resta-lhe a sua casita e a reforma mínima, que alguns meses não chega para pagar integralmente a botica receitada pela médica de família, para atenuar os seus problemas de coração.
Mesmo assim, a tia Maria ainda consegue arranjar uns ovos para os sobrinhos levarem ao fim de semana, pois as suas galinhas são umas poedeiras de alto nível. Eu só peço a Deus é que não se lembrem de incluir algum imposto do CIVA nas galinhas da Tia Maria!
Ontem foi o funeral do Tio Manuel, que só por afinidade é da família da Tia Maria. Mas ela ainda quis fazer jus das suas qualidades de cozinheira e preparou o jantar para a família cozinhando uns saborosos croquetes. O pior foi o gás que faltou. Foi a ocasião para eu ir à tasca do Sr. Alberto, que fica a 4 Km, trocar a botija.
Há muito que não falava com o sr. Alberto. Era noite e ele acabava de chegar das terras carregando a foice de cabo alto e a sachola. A sua mulher já preparava o jantar.
E tendo como tema a nova botija de gás, que agora é verde e com um novo rutor, veio à baila a CEE e daí as novas exigências. A sua mulher pergunta-me o que é que eu acho, se estamos a ir para melhor ou não. E eu respondo-lhe com uma nova pergunta. O que é que você acha? - Olhe eu só sei é que o meu homem já foi pagar os 50 contos do postal que recebeu.
Aqui começamos a conversa sobre o malfadado imposto do CIVA que sem o mínimo respeito veio entrar na casa de todos aqueles que, humildemente, mas generosamente têm feito a sua vida nas aldeias interiores das quais os Estado só se lembra nestas alturas ou para eleições.
É evidente que, todas estas pessoas que eu conheço da minha meninice, vivem o seu dia a dia cultivando as terras como Deus deixa, e à noite lá vendem mais um pacote de Omo ou uma garrafa de óleo, ou uma botija de gás, sem que isso lhes dê um rendimento que se possa considerar desafogado. E pagam o IVA de 3 em 3 meses!
E o ti Alberto começa a desbobinar uma quantidade de nomes que já receberam o dito postal. -Olha, o Augusto também já teve que ir pagar. A Elisa foi pagar mas deu baixa da loja, o Eduíno também já recebeu mas parece que não quer pagar. E outros nomes que eu não fixei. E quantas terrinhas iguais a esta por esse “País profundo”?
A Belita foi mãe solteira. Vive com a filha de 14 anos e dedica-se a arranjar o cabelo de pessoas amigas, geralmente ao fim de semana ou em dia de maior festividade, casamento ou batizado. A sua coluna não lhe permite mais. Recebeu a informação para pagar 150 contos, como se fosse um salão de Beleza. Mas onde é que a Belita tem rendimento para pagar os 150 contos? Mas pior que isso, onde é que a Belita tem os 150 contos? Foi às Finanças, que lhe responderam que nada podiam fazer, que o melhor era escrever uma carta ao Ministro. Assim fez, foi procurar um advogado para lhe escrever uma carta ao Ministro a contar a sua situação.
É isto a realidade, meus senhores! O fisco está louco, tresmalhado, ou o País está dividido em duas realidades? Será a realidade da miséria e da exploração (Explo97) ou a realidade da festança da Expo 98?
O Sr. Ministro das Finanças veio dizer que não há aumento de impostos. Mas o que é isto?
A minha esposa aumentou de escalão em Janeiro. Passaram a pagar-lhe agora. O aumento de 30 contos foram 5 de vencimento e 25 de IRS. Ora toma!-“ Mas agora és mais importante porque mudaste de escalão!”
O meu irmão, recebeu a informação para pagar adiantado o IRS, coisa que nunca lhe tinha acontecido.
Eu estou aqui a escrever porque sinto que, agora, como antigamente, são os pequenos, os humildes que têm que desenrascar o País nas horas de crise, que não é provocada por eles. É àqueles que não têm voz, que não têm poder de associação, que vão aguentando o resto que nos resta da agricultura tradicional, é a esses que agora se vêm retirar o pouco que ainda lhes resta. Sim, porque isto do artº 60 do CIVA é imoral, é promiscuo, é uma afronta.
Espero que vós, representantes do Povo, a quem o Povo deu um voto de confiança na hora em que o pediram não deixem passar esta tão grande desigualdade fiscal, que ronda as raias da imoralidade.
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Ao sabor da pena
António Simões - 21.6.97